segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Diários de um profeta


Foi numa noite comum, sentado em meu pequeno sofá na avenida Paulista com meu único e fiel amigo Totó, que comecei a olhar minha vida, com olhos fraquejados pelo cansaço e destemidos por causa das dores: minha casa, minha amante, a garrafa que nunca disse tudo bem, mas me dedicou suas gotas de vida. Estou aqui na doce S. Paulo, cidade que me viu nascer e hoje me fez um nada, um lixo, um filho não querido, um esquecido.
O resto de uma minoria sem sonhos, mas uma maioria desprovida de si. As esquinas? Os encontros e desencontros dos meus sonhos. As pontes? Um cobertor que me abraça. Os homens que passam sem perceber? Irmãos que um dia me desprezaram. Mas sei que me amariam se tudo não fosse assim. Lamentações, desesperança, nada a fazer.
Às vezes, com meu carrinho de objetos, custo a passear pela cidade, carrinho este que um dia me aqueceu, divertiu, completou o momento de vidas vividas em seus apartamentos com olhares de dó, misturados com a omissão que fecha suas cortinas de seus temores. Já a cidade... Ela vai vivendo seu cotidiano, e eu sou apenas um estorvo que atrapalha o trânsito, levado em xingamentos. Esbarrando nas pessoas, não ouço nem o “desculpe”, só olhares que nem aqui estão.
Não sei se sou profeta ou, se de tanto pensar, tornei-me um ancião. Só sei que o que não fui eu nunca quero ser, pois aprendi que vivi mais do que muita gente que teve tudo que quis. Conheci a amizade verdadeira. Senti o amor sem distinção e pude fazer novas pessoas sorrirem com minhas músicas de um bêbado que diz ser “patético”.
De falta não fiz doer, tampouco do que tinha que aprender: só comecei a viver.
Eduardo Brasileiro
revisão: Tiago Cosmo

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